"Sócrates está oficialmente cercado. Cercado mas não vencido"

Jornalista da revista "Sábado" lança livro biográfico sobre o ex-primeiro-ministro relatando com detalhe todas as entregas de dinheiro a Sócrates pelo seu amigo Carlos Santos Silva, também preso.
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Hoje, José Sócrates joga a extremo-esquerdo nas futeboladas no recreio da prisão de Évora. "Não é um portento de técnica, mas empenha-se ao máximo", conta o jornalista da revista Sábado Fernando Esteves, que ontem lançou em Lisboa Cercado - Os Dias Fatais de José Sócrates (ver fotolegenda).

O ex-primeiro-ministro, agora com 57 anos, procura, como sempre fez, manter-se em boa forma física. E cultivar-se. Um dia destes ouviu a um colega uma expressão em latim: Sapere sapore. O colega explicou-lhe o conteúdo: "É uma expressão latina que nos adverte para o facto de somente após termos saboreado, experimentado, após colocar as mãos na massa, podermos verdadeiramente conhecer algo, decidir ou falar sobre algo com propriedade, no fundo, ser sapiente." Sócrates tomou nota.

João de Sousa, ex-inspetor da Polícia Judiciária acusado de corrupção, preso preventivo em Évora como o ex-primeiro-ministro, parece ser o seu principal parceiro de conversa. De Sócrates já escreveu no seu blogue: "Está morto em vida."

Fernando Esteves evita prudentemente associar-se a tal certeza: "Estará? Com Sócrates nunca se sabe." O jornalista não esconde o seu fascínio pela personalidade do único líder do PS que deu ao partido uma maioria absoluta (45%, ou seja, mais de 2,5 milhões de votos, em 2005). "Fascinante" é precisamente um dos adjetivos que usa para qualificar a "personagem". E outros: "Épico", "trágico", "tétrico", "razoavelmente mágico". "Tem tudo o que os manuais dizem que um político deve possuir: carisma, inteligência, coragem", além de "cultura, capacidade de decisão, imagem". Para escrever Cercado falou, nomeadamente, com ex-colaboradores do ex-primeiro-ministro: "Nenhum se declarou envergonhado por ter trabalhado com Sócrates." E todos parecem "surpreendidos" com os indícios que vão surgindo e que apontam para a prática de crimes de corrupção, branqueamento e fuga ao fisco. Escreve Esteves: "Sócrates está oficialmente cercado. Cercado mas não vencido. Porque o animal feroz, como um dia ele mesmo se definiu, dificilmente deixará de lutar." Num retrato desenhado sem uma lógica cronológica linear, Fernando Esteves passou em revista as diversas polémicas judiciais e políticas em que Sócrates esteve envolvido, detalhando informações sobre a Operação Marquês, que levou Sócrates ao Estabelecimento Prisional de Évora em novembro do ano passado.

Neste aspeto, são listadas todas as supostas entregas de dinheiro de Carlos Santos Silva (também preso no mesmo processo) ao ex-líder do PS, diretamente ou por intermediários. É sublinhada a visão do Ministério Público: Sócrates não pedia dinheiro ao amigo (como tem invocado em sua defesa), antes, ordenava a entrega. Tese do MP: o dinheiro, na verdade, pertence a Sócrates, que o cobra a Santos Silva por lhe ter dado a ganhar milhões com adjudicações públicas para as suas empresas de construção enquanto era primeiro-ministro.

Também fala de sete entregas de dinheiro a uma "misteriosa" amiga de Sócrates na Suíça, Sandra Santos, dos investimentos imobiliários e num negócio de 2,7 milhões relativo a direitos televisivos.

Fernando Esteves baseou também o seu livro em conversas com jornalistas que tiveram de se relacionar profissionalmente com José Sócrates.

O mal-estar máximo envolveu José Rodrigues dos Santos, quando Sócrates tinha na RTP um espaço de comentário político semanal, todos os domingos. Rodrigues dos Santos recusou que fosse o ex-primeiro-ministro a determinar as regras do jogo, definindo a agenda da conversa . Transformou o comentário semanal numa entrevista política pura e dura - muito dura - o que irritou Sócrates, para lá de todas as medidas. Basicamente, na última conversa, chamou burro ao jornalista - e este registou em direto e ao vivo o "insultou" dizendo recusar responder-lhe.

Quem também teve de enfrentar uma das famosas fúrias do ex--primeiro-ministro foi Judite Sousa, em abril de 2009. Nessa altura a polémica em torno de Sócrates era o caso Freeport. A TVI havia divulgado um DVD em que o britânico Charles Smith, intermediário na construção daquele empreendimento comercial (depois seria julgado por corrupção e absolvido), tratava Sócrates por corrupto.

Para dias depois estava marcada uma entrevista de Sócrates à RTP, na qual Judite então trabalhava. Fala com a jornalista previamente para perceber os temas. Enfurece--se - numa conversa interrompida (o telemóvel da jornalista ficou sem bateria) e depois retomada - quando esta lhe diz que a entrevista terá de passar pelo caso Freeport. "Nada importa, não ouve o que eu digo, a conversa termina sem nexo. Foi uma tentativa de condicionamento", escreveu Judite Sousa no seu diário profissional.

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